Indo Embora

Às vezes, me dá vontade de ir embora. Quero sair por aí sem ter rumo. Distanciar-me de casa a cada segundo, mas sem que eu sinta culpa por isso. É que dá um medo... Mas a coragem parece gritar mais alto. Só não sei por que então ainda não fui embora.
Minha vida está monótona. Todo dia acontecem as mesmas coisas. Vejo sempre as mesmas pessoas. Os sorrisos delas de tão íntimos que são me enjoam. É como se elas não servissem para mim. Parece que é o contrário. Eu não sirvo para elas! Chego a ser desprezível. Reconheço meus erros, minha arrogância. É que me sinto tão preso às vezes. Quero poder respirar, sentir a liberdade. Sentir todo o meu eu.
Sempre quando penso em recomeçar tudo de novo, quero que esse tudo seja totalmente diferente. Mas não tenho tanta ambição assim não. Quero novas pessoas, novos lugares. Isso basta. As músicas podem continuar as mesmas. Só não aceito, porém, que eu não descubra novas culturas, novos gostos, sabores, prazeres. Meus sonhos ainda são os mesmos. Fugir me faz intuir que eu poderei realizá-los o mais breve possível.
Estar aqui, onde estou, é como estar numa prisão. Eu não me acomodo com a rotina. Bem queira Deus que eu não chegue a conhecer o cárcere. Lá, tudo é possível. Não sei por que me veio ao pensamento que estando eu naquele inferno poderia brincar de assassinar outros homens. Coisa do meu inconsciente... Mas aposto que algum detento já deva estar fazendo isso... Lá sobraria mais tempo para estar com os livros. Pelo o que já conheço de mim, apesar de eu não saber se pouco ou muito, eu educaria os detentos; não me surpreenderia também o fato de eu poder ser educado por eles.
No entanto, a minha prisão é em regime aberto. Não! Acabo de dizer mentira! A minha prisão, na verdade, é a da mente. Descobri como, mas não foi o bastante, o que me condicionou para que eu me sentisse escravo dos próprios pensamentos. Sei que lá no fundo eles são bons. Na realidade, os pensamentos de outras pessoas me escravizaram. Acontece com todos isso que falei. O homem é um ser influenciável, como um bom influente.
Pego-me confuso em grande parte do tempo. Fica difícil às vezes reconhecer onde estou aprisionado. Se é do lado de dentro ou do lado de fora. Os dois mundos me sufocam. O próprio mundo, no entanto, é um produto dos homens. Que frustração é saber disso justamente agora! Depois de anos e anos de enfado. Ou anos e anos de descanso. A vida está aí. Nós estamos aqui, para moldá-la, construí-la, darmos toques e retoques nela. É que pensamos estar tudo pronto, ao nosso alcance. Essa deve ser a razão de a nossa vida atual não coincidir com a tão esperada. Um sonho limitado na esfera da imaginação é como um revolver sem munição! Não serve para nada, mas já é um bom começo se usarmos ele como um objeto para golpear o nosso inimigo.
Aqui, no meu mundo sem gigantes, onde possuo todo a força e esplendor, a glória de um rei, tudo é fácil. O mundo aí fora é diferente. Existe o duelo, as disputas. As concorrências são enormes. Os gigantes se encontram. Um quer ser maior que o outro. Essa guerra é gostosa. É a guerra que o sábio almeja. É a pressão que o perfeccionismo faz sobre a gente. Perder, nessa batalha, por um lado é bom. Que isso não se torne um hábito. Aliás, o equilíbrio é o elixir da vida. Essa é a minha alquimia. Encontro-me, porém, como um dragão vermelho. Sou aquele minério que precisa ser transmutado em ouro!
Uma viagem, talvez, me faria bem. A questão é que não desejo voltar. Porque se a vida não tem volta, não creio ser justo quando o passado retorna para nos atormentar, ou então, nos agraciar. Ele volta, eu sei, o passado trás o saber.
O passado pede um acerto de contas. Eu paguei o meu. Se eu devia em outras vidas anteriores, quitei as despesas que fiz. Se saiu caro ou não, dá pra julgar isso. Estou contente por ter chegado até aqui. Valeu o preço que paguei. Não moveria, ou melhor, não faria nada diferente do que eu fiz, a não ser que eu não fosse como sou. Dessas reflexões que percebo como sou construtor de vidas. Não tenho em poder apenas a minha, mas a sua e muitas outras. Com você também ocorre o mesmo. Tal como somos influenciados, também influenciamos. A nossa divida com o passado é de acordo com a nossa influencia, por assim dizer. Que seja para o bem a nossa vã existência.
Apesar de não reclamar o que se foi e não pode mais ser mudado, espero mais da vida. Para isso, espero mais de mim. Assim não me frustro. Mas como eu dizia, estar aqui é como se eu estivesse preso. Pense naquele filosofo proibido de pensar, porque vive isolado do homem, do mundo de natureza. Ele está em tais condições e seu espírito grita pela liberdade. Só tem duas opções. Ou morre ali, como servo, escravo de seu opressor, ou então, mata-o pelo bem de sua existência. A guerra é justa, quando o seu principio é a defesa. São indignos da vida diversos tipos de homens. Hoje eles são poucos. A distinção entre nós pode ser realizada segregando homens de machos. Os primeiros fazem uso de sua faculdade racional, os segundos, admitem-se como animais primitivos. São tolos, ignorantes, pois são os que apreciam a astucia, o tempo, enquanto os homens a virtude, a sabedoria, o inatingível pela razão que nos dá a visão.
Ir embora ou não... Agora não sei se vale a pena. Depois de tudo, parece-me irracional tomar esta atitude. Recomeçar tudo de novo, assim do nada, é correr riscos... A vida se faz deles... São pensamentos confusos, não são enigmas. Se fossemos assim tão complexos, seriamos a criatura mais imperfeita de todas. Na vida, é inevitável correr riscos, porém, é inadmissível temê-los e afrontá-los.
Deixarei para recomeçar tudo em outra vez. Preciso colocar a casa em ordem. Criar uma segurança, que seja econômica, mas sobretudo emocional, para que eu possa pensar em ser livre. Alias isso é vero. Porque a prisão tem a função de recuperar. Esse enclausuramento todo, que é o mundo do introvertido, na verdade serve para formar homem, e não macho, como muitos o são. Ainda oscilo, vario demais. O tempo cuida disso, no entanto. Esse condicionamento, essa falta de liberdade dentro de mim, que se exterioriza aqui fora, são condições, os tijolos que fundamentam a escada para o êxito. As vezes, fugir só piora a situação. Daí, o querer passa a ser o de fugir de si, o que é bem pior do que fugir dos outros.
Tudo tem o seu lado bom, assim como o ruim. O lado ruim força a existência do lado bom. A prisão é minha, nela eu sei me cuidar, mas mande-me noticias, presenteie-me, dê-me lembranças, faça uma visita. Aqui, eu luto contra serpentes e escorpiões. Deito os meus inimigos embaixo de meus pés. Deixar eu mais transtornado do que sou, como escravo, ela não o fará. É como eu disse, confie. Tem o seu lado bom. Despedace-a com seus pensamentos, questões, suas duvidas. Esquadrinhe cada cômodo, cada ser que a compõe, quem entra e sai dela a todo instante... A prisão é sua, só se vive nela quem nela está; só saí dela aquele que merecer e fizer por onde.